Eterno tentante

 

       

         Eu tentei tomar cuidado. Eu tentei ser reservado. Eu tentei ser mais esperto, mas esqueci que era incerto o tempo e o lugar, as coisas que acontecem sem avisar.

        Eu fui lento demais. Eu fui depressa demais. Eu não parei quando devia parar. Eu não perguntei quando devia. Eu respondi quando devia explicar. Eu fiz coisas para ser notado e notei que não tinha nada a ver. Mas eu fui tentando.

        Eu calei demais e falei coisas letais. Eu fui sincero demais. Eu não sei mentir direito. Eu menti demais. Eu fui direto demais. Eu não contei a ninguém, mas nem nisso fui tão bem. Eu me deixei levar. Quis caminhar sobre o mar, sem fé o que resta é se afogar. Eu nadei. Eu não morri na praia.

       Eu ainda tenho planos. Eu mudo os planos todo o tempo por conta das circustâncias. Eu vou deixando de lado, mas eu não abandono meus sonhos. Eu não esqueço o que quero, eu espero o tempo que for preciso. Eu tento fazer dar certo, eu tento, eu erro, eu entendo, eu aprendo, eu repito.

       Eu deixei muito pra depois. Eu esqueci que, às vezes, um é dois. Eu fui longe demais.

       Eu sonhei sonhos que não eram meus. Eu vivi, nem sempre a mesma vida. Eu chorei quando não podia. Eu lutei quando não devia vencer. Eu perdi quando não devia lutar. Eu não lutei quando devia. Eu fugi quando devia ficar.

       Mas, eu ainda estou aqui, aprendendo a enfrentar. Das coisas que fiz, dos crimes que cometi, das coisas erradas que não deixaram de existir. Eu mudo, eu mudo sim. Às vezes, para o bem. Às vezes para mim. Às vezes, eu mudo para ir até o fim.

       Hoje eu tento fazer melhor. Eu ando mais devagar, eu não corro para não tropeçar. Eu tropeço mesmo assim. Eu tento me libertar, mas não posso fugir de mim. Eu tento vencer, mas a guerra está longe de acabar e a cada batalha perdida eu aprendo aonde devo parar, por onde devo seguir.

       Eu tento ser feliz. Eu tento ficar em paz. Eu tento não errar demais. Eu caio. Eu me arrasto. Eu levanto, com a ajuda das mãos de anjos que ainda não desistiram de mim. Eu agradeço sempre que me lembro e me aborreço sempre que me esqueço.

       A reação é direta, é certa, nunca é tardia. O mal que se faz quando volta é três vezes mais. O que não se conta, no juízo se presta contas. São contas demais, dívidas banais, fúteis e casuais. Eu as tenho, eu as faço demais. Mas eu estou tentando, aos poucos vou parando. Ainda não direi: "jamais voltarei...", mas um dia serei capaz de dominar meus sentidos que me tiram o sossego, me mantém refém do medo, me fazem guardar segredos.

       Mas quem não tem segredos? Só Deus sabe o que guardam para si, talvez o diabo também saiba e isso é o pior para se acreditar. Tem coisa que muita gente sabe, têm coisas que nunca ousei contar, tem coisa que pouca gente sabe e têm coisas que fiz questão de esquecer.

       Eu nunca fui santo, não que eu me lembre. Mas não sou demônio, nem quero o mal das pessoas. Porém, as coisas que acontecem nem sempre estão sob controle, nem sempre me controlo muito bem. "O inferno está cheio de gente com boas intenções", já disse um certo alguém.

       Na verdade a vida é boa. Eu sei que vale a pena tentar ser feliz, ter paz, errar menos, sorrir mais, tentar ser melhor, pensar e agir... Eu tento, eu tento sim. Não sou perfeito. Eu não comecei direito, mas a esperança só morre quando a vida acabar.

       Eu não tenho pressa. O tempo que me resta é o tempo que me resta. Não dá pra saber o futuro. Não dá para ficar em cima do muro. Eu caio de um lado, eu pulo pro outro. Eu agarro o arado, eu pulo no fogo, eu queimo de pecado, eu me banho de remorso. Entretanto, eu não me arrependo muito. Eu faço o que posso. Eu faço, eu fico, eu gosto.

       Mas nesse mundo tudo o que é bom dura pouco, e muito do pouco que é bom não prospera. Eu sei. Sim, eu sei. Não sou inocente. Não fui enganado. Eu tive a chance, eu deixei de lado. Eu fui lá no fundo. Eu vejo o passado, deste só guardo o que é bom, o resto está morto e enterrado.

        E eu ainda não desisti. Ainda não parei de tentar. Eu sei que posso não viver para ver, mas um dia isso vai acabar. E até morrer, vou continuar tentando. 

Autor: Edinei Lisboa / Argonauta021
do Livro Poesia, Prosa e Canção - Chiado Editora

Imagem: Google